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MERCOSUL
– A ATUAÇÃO EMPRESARIAL
E OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO
Alfredo Lupatelli Jr
Consultor
Empresarial; Coordenador Jurídica da
Revista de Derecho del Mercosur (Ed. La Ley, Buenos Aires)
e
Eliane Maria Octaviano
Martins
Vice-Presidente
do Instituto Paulista de Direito Comercial e Integração - IPDCI;
Professora titular de Direito
Empresarial e Marítimo da UNISANTA e UNIMONTE - Santos (SP) - Brasil;
Coordenadora Jurídica da Revista de Derecho del Mercosur (Ed. La Ley, Buenos
Aires);
Web master do Portal Santajus (www.santajus.unisanta.br)
“O
livre comércio é a diplomacia de Deus, e não há nenhum outro meio seguro de
unir as pessoas nos limites da paz” (Richard
Cobden, 1857)
Introdução
A
assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, pelos governos de Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai, configurou o primeiro passo da América do Sul
rumo ao irreversível processo mundial de globalização da Economia.
Nesse novo contexto de integração, encontramo-nos, desde 1995, na
Segunda Fase de um atribulado processo integracionista, retratado numa união
aduaneira imperfeita, almejando a consolidação de um Mercado Comum, o
segundo do mundo.
O fenômeno da globalização da economia provoca novas realidades.
No âmbito empresarial, o contexto é altamente concorrencial. A preocupação
com a sobrevivência em mercados abertos força o empresariado a rever seus
custos, sua margem de lucratividade, suas estratégias.
Na órbita jurídica internacional, deparamo-nos com o revolucionário
surgimento de um ordenamento jurídico comunitário, o Direito Comunitário
instaurado na União Européia, que começa a configurar um modelo a ser adotado
pelo Mercosul.
Assim, nesse momento de crise mundial e de maturação em que se encontra o
Mercosul, adentrando progressivamente nas etapas integracionistas visando a
consolidação de um mercado comum, várias questões relativas à Atuação
Empresarial e ao ordenamento jurídico em geral merecem análise.
Harmonização do
“direito-custo”
Um Mercado Comum compreende a instauração de cinco
liberdades: liberdade de bens, pessoas, capitais, serviços e concorrência,
o que fatalmente implica em alterações significativas no âmbito jurídico.
Um dos maiores óbices para a efetivação do processo integracionista diz
respeito à eliminação de diferenças
legislativas. O próprio Tratado de Assunção preceitua a harmonização do
direito como meta a ser atingida. Realmente, o sucesso de qualquer processo
integracionista se atrela à harmonização legislativa. Um dos pressupostos
para o sucesso na consolidação e aperfeiçoamento do Mercosul é que essas
diferenças sejam minimizadas, principalmente quanto às normas que regem a atuação
empresarial em cada Estado-membro, com significativo impacto nos seus custos de
produção.
Trata-se, em última instância, de consolidar a harmonização do “direito-custo”[1].
O direito se elenca entre os itens que interferem sobremaneira no custo da
atividade empresarial. As obrigações jurídicas geram efeitos que obrigam o
empresário a rever seus cálculos. É de primordial importância a revisão das
legislações relacionadas com a atividade econômica, que repercutem na formação
do preço[2].
Significa dizer, conciliar as normas vigentes de modo a eliminar ou ao menos
minimizar pontos conflitantes que induzem a favorecimentos localizados,
distorcendo os reais padrões de competência empresarial, contribuindo assim
para que os produtos mercossulenhos se tornem efetivamente mais competitivos no
cenário globalizado.
Obviamente que não sustentamos ser desnecessária a harmonização de normas
concernentes às demais áreas do Direito[3],
mas sim que tal harmonização poderia ser efetuada num segundo momento. A questão
é: estabelecer prioridades! Nesse primeiro momento, os interesses legislativos
harmonizadores deverão estar direcionados ao “direito-custo”, requisito indispensável para avançarmos rumo
ao próximo estágio da integração, o mercado comum[4].
Direito
Comunitário e União Européia
Traçando uma
análise comparativa, não poderíamos deixar de mencionar a Comunidade Européia
e seu ordenamento jurídico. Sempre que nos defrontamos com a questão referente
ao Direito Comunitário, é necessário fazer referência à integração
consolidada pela União Européia. Não se defende que o Mercosul deva ser uma cópia
fiel da União Européia, mas é importante a busca da experiência, absorvendo
e aprimorando o que se enquadra em nossa realidade e perspectivas.
Na União Européia, as normas relativas à atividade econômica ultrapassaram a
fronteira do Direito Nacional, instalando-se no âmbito comunitário.
A União Européia inovou o cenário jurídico internacional ao abandonar o
arcaico conceito de soberania. Instituiu o direito comunitário, estabelecendo
um quadro jurídico único. O ordenamento jurídico comunitário é constituído
de normas que ultrapassam o direito nacional, configurando total primazia do
direito comunitário sobre o nacional, sem extinção do ordenamento interno.
Tais normais passam a estar sujeitas ao Tribunal de Justiça Supranacional,
assegurando a uniformidade de aplicação e implementação.
Neste ínterim, há que se estabelecer distinção entre a ordem jurídica
internacional clássica e a ordem jurídica comunitária. A ordem jurídica
internacional comunitária advém de tratados internacionais, que ocasionaram
subordinação do direito interno ao direito comunitário. Distingue-se,
portanto, o modelo comunitário vigente na União Européia da comunidade
internacional clássica vigente no Mercosul. É aqui, pois, que se destaca a
grande diferença entre Mercosul e União Européia.
No modelo comunitário, a relação soberana se assenta em bases
verticais, ou seja, os Estados têm sua soberania limitada e esse partilhamento
é que assegura o processo de integração e a ordem jurídica internacional
comunitária. O direito comunitário nasce nesse modelo, vinculando os
Estados-membros e as pessoas físicas ou jurídicas diretamente no âmbito
interno de cada Estado, como conseqüência da primazia do direito comunitário[5].
Contrariamente, o Mercosul é uma comunidade internacional clássica assentada
em modelo societário: resume-se na cooperação de Estados-soberanos,
inexistindo poder superior aos Estados. Configura uma relação horizontal de
coordenação de soberanias[6].
E assim, diferentemente da União Européia, a mecânica de incorporação do
direito do Mercosul aos direitos nacionais foi e continua sendo a recepção. O
direito do Mercosul se assenta no modelo clássico, i.e., advém de Tratados
Internacionais negociados pelos governos, posteriormente aprovados pelos
Congressos, ratificados e promulgados. Incorpora-se, portanto, a norma do
Mercosul ao direito nacional de cada um dos seus integrantes. Trata-se do típico
e clássico fenômeno da recepção.
Não há que se falar, pois, de Direito Comunitário do Mercosul, posto que o
verdadeiro direito comunitário prescinde do mecanismo tradicional de incorporação.
A pedra de toque do Direito Comunitário é a primazia instaurada do Direito
Comunitário sobre o Nacional de maneira direta, desvinculada, portanto, do
mecanismo clássico da recepção. O Direito Comunitário existente na União
Européia é incorporado de forma congênita aos direitos nacionais. Destarte,
inexiste no Mercosul o verdadeiro direito comunitário, o que reina de forma
absoluta é o Direito Internacional Público, regional, integracionista,
vinculado ao fenômeno de recepção[7].
Ganha importância e serve como indicativo do estágio alcançado nesse modelo
comunitário da União Européia, o trabalho de conciliação dos interesses
divergentes (muitas vezes opostos), não-somente por parte dos conglomerados
empresariais, como também dos setores de produção. No Mercosul, é imprescindível
contornar os possíveis e imagináveis jogos de interesse que poderiam derrotar
todo o processo de integração, e talvez a saída seja a adoção do modelo
comunitário, de um ordenamento jurídico comunitário.
Mercosul e Supranacionalidade
Depreende-se da história da formação da União Européia que um dos
maiores óbices para a consagração do processo integracionista foi exatamente
a aceitação da soberania partilhada.
O governo brasileiro vem insistindo na tese de que não são necessários outros
órgãos além daqueles existentes atualmente. Nossos parceiros mercossulenhos
argumentam, com razão, que a falta de estrutura comunitária, principalmente de
uma Corte Comunitária, está dissuadindo e desestimulando investidores
estrangeiros, o que afeta sensivelmente a competitividade do Mercosul no Mercado
Internacional[8].
No Mercosul, as constituições do Paraguai e da Argentina admitem a ordem jurídica
supranacional, ao contrário de Brasil e Uruguai. Nosso maior entrave é o art.
4 da CF/88. Em 1994 o então Dep. Nelson Jobim propôs emenda constitucional que
viabilizava a vigência imediata de diretivas e decisões tomadas por organismos
internacionais, desde que o Brasil tivesse firmado os Tratados (e ratificados
pelo Congresso) e fosse prevista a hipótese de essas decisões serem tomadas
por órgãos supranacionais. Dessa forma, a vigência seria imediata como um
direito supranacional, independentemente do mecanismo tradicional de recepção,
como atualmente ocorre[9]. Essa proposta de emenda foi derrotada pelo Congresso
na concepção do isolamento econômico brasileiro e no conceito ultrapassado de
soberania[10].
É notório que a colaboração internacional, em matéria de competitividade e
concorrência, é de difícil implementação, pois a política de um país
naturalmente tenciona defender o que geralmente a política de outro país
procura atacar[11].
Assim, se houver o abandono da atual estrutura intergovernamental, adotando-se a
criação de um tribunal supranacional, assegurar-se-á uniformidade de
interpretação e aplicação, contornando-se divergências e acompanhando de
maneira mais eficaz o dinamismo das relações econômicas.
É necessário rever o antigo conceito de soberania e acenar para o
modelo comunitário internacional. Numa concepção moderna, ressalta-se: “No
momento em que a sociedade brasileira compreender que a soberania nacional é o
direito de definir e aceitar a delimitação externa do próprio poder, e que
essa decisão possa ser tomada soberanamente pelo país, caminharemos
seguramente para o processo integracionista.”
Considerações finais
Há que se ressaltar que o ponto crucial do Mercosul não se restringe apenas a
um espaço consumista de livre circulação, mas sim alcançar melhor qualidade
de vida para os cidadãos, maior integração e desenvolvimento no âmbito econômico
e social[12].
Obviamente que o Mercosul tem desafios extremamente complexos pela frente. Porém,
o novo status internacional assumido
mundialmente nos leva à ousadia de afirmar que o caminho é correto. Alguns êxitos
são indiscutíveis . Entre 1990 e 1995 o comércio no interior do cone sul
cresceu 3 vezes. O Mercosul reunirá no final do século 240 milhões de
habitantes – equivalente à população dos EUA, com produto interno bruto de
1 trilhão de dólares – comparável à França[13].
Avançarmos nesse processo integracionista é uma questão de opção.
Ninguém nos obriga à integração, porém, se realmente pretendemos consolidar
esse processo, não há como deixarmos de abordar a harmonização urgente do
“direito-custo” e a adoção do modelo comunitário. Imprescindível será
repensar a atual estrutura legislativa e a possível criação de um tribunal
supranacional[14].
É inadmissível, nesse contexto integracionista, que permaneça a desarmonia
legislativa. O momento, inclusive, é de não mais pensarmos somente em reduzir
o famigerado “Custo-Brasil”, mas sim repensar e reduzir o “Custo-Mercosul”.
É muito cedo para lançarmos avaliações quanto ao sucesso do Mercosul. O
momento é de questionamento e de coragem, inclusive no sentido de avaliar se
realmente queremos a integração a esse nível de mercado comum. Avançar ou não?
A nossa clarividência e agilidade no sentido de perceber que somente há essa
saída e o tempo necessário para implementá-la serão determinantes para o êxito
do Mercosul num mercado globalizado.
O futuro revelará se o Mercosul será uma verdadeira comunidade ou não passará
de uma união aduaneira...
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1996.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial. São Paulo: Saraiva,
1998.
LUPATELLI JR., Alfredo e MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Consórcios
de empresas e Mercosul.
Revista
de Derecho del Mercosur,
Buenos Aires, La Ley, ano II, n 4, 1998.
MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Direito
da concorrência, supranacionalidade e Mercosul.
Revista
de Derecho
del Mercosur, Buenos Aires, La Ley, ano II, n.4, 1998.
VENTURA, Deisy (org.).
Direito comunitário do Mercosul.
Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1997.
[1] Cf. COELHO, Fábio Ulhoa in Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1998.
[2]
O rol de normas que se integram como direito-custo é extenso, algumas
integrantes ou diretamente relacionadas com o Direito Empresarial: a proteção
ao consumidor e concorrência (que consolidam a responsabilidade objetiva da
empresa), títulos de crédito, societárias, tributação, propriedade
industrial, formas de colaboração interempresarial, trabalhistas, dentre
outras. Vide LUPATELLI Jr., Alfredo e MARTINS, Eliane Maria Octaviano in
Consórcios de empresas e Mercosul. Revista de Derecho del Mercosur,
Buenos Aires, La Ley, ano II, n.V, 1998.
[3] Mesmo porque mercado comum também implica em liberdade de pessoas, o que fatalmente acarretará mudanças significativas em diversas áreas do Direito Civil e Penal.
[4] Harmonizar no sentido do comando normativo e identidade de efeitos e não-necessariamente unificar, no sentido de um texto único. O próprio dinamismo integracionista requer um mecanismo mais flexível do que a uniformização redacional Vide COELHO, op. cit.
[5] Cf. ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1996.
[6]
Idem.
[7] JOBIM, Nelson in VENTURA, Deisy (org.). Direito comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1997.
[8] REZEK, Francisco in VENTURA, Deisy (org.). Direito comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1997.
[9]Cf.
JOBIM, op. cit.
[10] idem.
[11] V. ACCIOLY, op. cit. e MARTINS, Eliane M. Octaviano in Defesa da concorrência, supranacionalidade e Mercosul, Revista de Derecho del Mercosur, Buenos, Ed. La Ley, ano II, n.2, 1998.
[12]
Cf. ACCIOLY, op. cit., p.128.
[13] Revista Momento (?) .
[14]
Cf. JOBIM, op. cit.